Alguns pesquisadores acreditam
que em breve serão capazes de retardar ou mesmo parar o relógio biológico – ao
menos por um tempo
A
maioria dos idosos norte-americanos vive seus últimos anos de vida com ao menos
uma ou duas doenças crônicas, como artrite, diabetes, problemas
cardiovasculares e derrame. Quanto mais tempo seus relógios biológicos avançam,
com mais doenças incapacitantes eles têm de lidar. Médicos e companhias
farmacêuticas tradicionalmente tratam cada uma dessas doenças ao passo que elas
aparecem. Mas um pequeno grupo de cientistas começa a defender uma abordagem
nova e audaciosa. Eles pensam ser possível parar ou mesmo reverter o cronômetro
interno do corpo; assim, as doenças aparecerão mais tarde ou nem mesmo
chegarão.
Estudos
com centenários sugerem que a façanha é alcançável. A maioria dessas pessoas
vive tanto assim porque, de alguma maneira, elas evitaram grande parte das
doenças que atingem outros indivíduos na casa dos 70 e 80 anos, diz Nir
Barzilai, diretor do Instituto de Pesquisa sobre Envelhecimento da Albert
Einstein College of Medicine. Nem mesmo a longevidade inabitual de centenários
resulta de um declínio no fim da vida que dura mais do que o de outra pessoa.
Na verdade, Barzilai aponta, pesquisa em centenas de “super idosos” sugere
exatamente o contrário. Para essas pessoas, as doenças geralmente começam mais
tarde e chegam mais próximas do final de suas vidas. “Elas vivem, vivem, vivem
e, um dia, morrem”, ele diz.
Pesquisadores
já desenvolveram várias técnicas para prolongar o tempo de vida de fungos,
vermes, moscas, ratos e mesmo macacos. Adaptá-las aos seres humanos parece ser
o próximo passo lógico. “Há um consenso emergente de que é hora de pegar o que
aprendemos com a pesquisa sobre envelhecimento e começar a traduzi-lo para
ajudar pessoas”, diz Brian Kennedy, CEO e presidente do Instituto Buck de
Pesquisa sobre Envelhecimento, um grupo de pesquisa independente em Novato,
Califórnia.
Atrasar
o processo de envelhecimento ainda que em poucos anos poderia trazer enormes
benefícios sociais, uma vez que as populações ao redor do mundo ficam cada vez
mais velhas. O Departamento de Recenseamento dos Estados Unidos estima que um
em cada cinco americanos vai ter mais de 65 anos de idade em 2030 – acima dos
um em cada sete em 2014. Em 2013, estimadas 44 milhões de pessoas em todo o
mundo sofriam de demência. É esperado que esse número salte para,
aproximadamente, 76 milhões de pessoas em 2030, e 135 milhões em 2050 – sem
pessoas mais jovens o suficiente, e capazes, para tomar conta delas.
Dentre
o punhado de abordagens que os pesquisadores têm estudado, três se destacam.
Ainda incerto: se os potenciais benefícios pesam mais do que os riscos dos
tratamentos.
Evidência
Claro
que, para determinar conclusivamente se um tratamento funciona, os pesquisadores
necessitam de uma definição de envelhecimento e de uma maneira de medir o
processo. Eles não as têm. Uma célula de rim dividida ontem tem um dia de idade,
ou a idade da pessoa em quem ela reside? Ainda assim, pesquisas realizadas na
década passada ofereceram vários sinais de que os aspectos prejudiciais do
envelhecimento – sejam lá como forem definidos – podem ser retardados.
Em
um estudo de 2005, Thomas Rando, diretor do Centro Paul F. Glenn de Biologia do
Envelhecimento, na Universidade de Stanford, mostrou que um rato idoso cuja
corrente sanguínea foi cirurgicamente ligada à de um rato jovem recuperou suas
capacidades juvenis de cicatrização. De alguma forma, as células-tronco do
roedor mais velho, que são responsáveis pela substituição de suas células
danificadas, tornaram-se mais eficazes em dar origem a um novo tecido. Desde
então, Amy Wagers, bióloga da Universidade de Harvard, encontrou uma proteína
no sangue, chamada de GDF11, que pode ter contribuído para a cicatrização mais
rápida. Suas experiências, publicadas na Science em 2014, encontraram maior
quantidade da proteína em ratos mais jovens do que em mais velhos; quando
injetada nos ratos mais idosos, a GDF11 mostrou restaurar a estrutura juvenil e
a força de músculos. No entanto, um novo estudo, publicado no Cell Metabolism, coloca essa questão em
dúvida: sugere que a GDF11 aumenta com a idade (podendo até inibir a
restauração muscular) e que algum outro fator deve fazer as células agirem como
se fossem mais jovens.
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Mólecula de Metformina |
A
segunda abordagem consiste em examinar cerca de 20 medicamentos e suplementos
nutricionais existentes, em um nível de detalhe que nunca antes foi possível,
para ver se eles podem realmente afetar o processo de envelhecimento. Por
exemplo, pesquisadores da Universidade de Cardiff, no País de Gales, e seus
colegas, relataram em 2014 que os pacientes com diabetes tipo 2 que tomaram a
droga metformina viviam, em média, 15 por cento a mais do que um grupo de
pessoas saudáveis que não sofrem com o distúrbio metabólico, mas que eram
semelhantes em quase todos os outros aspectos. Os cientistas especulam que a
metformina interfere com um processo de envelhecimento normal, denominado
glicação, em que a glicose se combina com proteínas e outras moléculas
importantes, impedindo o seu funcionamento normal. A descoberta sobre a
metformina é particularmente notável porque as pessoas que têm diabetes, ainda
que controlado, normalmente têm uma expectativa de vida um pouco mais curta em
comparação a pessoas saudáveis.
Enquanto
isso, num estudo com 218 adultos, publicado no ano passado, na Science
Translational Medicine, pesquisadores da companhia farmacêutica Novartis mostraram
que um composto chamado everolimus, que é quimicamente semelhante à rapamicina
(um medicamento usado para evitar a rejeição do rim em transplantes), melhorou
a eficácia da vacina contra a gripe em pessoas com mais de 65 anos.
Conforme
as pessoas envelhecem, seus sistemas imunológicos não dão uma resposta tão
forte ao vírus inativado na vacina como antes; assim, as pessoas mais velhas
são mais propensas a ficarem doentes se encontrarem, mais tarde, um vírus real
da gripe. Os testes mostraram que os pacientes do estudo que receberam
everolimus tinham uma concentração mais elevada de anticorpos de combate aos
germes no sangue do que os seus homólogos não tratados. Pesquisadores
interpretaram este achado como um sinal de que a droga tinha rejuvenescido os sistemas
imunológicos dos indivíduos.
Tal
como acontece com qualquer medicamento, efeitos colaterais foram um problema.
Os pacientes tratados mostravam estar mais propensos a desenvolver úlceras na
boca, o que pode limitar a utilidade estendida da medicação para o tratamento do
envelhecimento. O custo pode ser outro fator; o everolimus, que foi aprovado
pelo U.S. Food and Drug Administration (Administração de Alimentos e
Medicamentos dos Estados Unidos da América, órgão semelhante à Anvisa) por suas
propriedades de combate ao câncer, custa mais de US$ 7.000 por mês em doses
adequadas para a doença. Ainda não se sabe: quanto custaria o everolimus e por quanto
tempo seu uso seria necessário, se usado como uma droga antienvelhecimento.
No
entanto, os resultados sustentam a ideia de que o envelhecimento pode ser
retardado. Com efeito, o everolimus e outras drogas similares à rapamicina mostraram
aumentar drasticamente o tempo de vida dos ratinhos, prevenir doenças como o
câncer, e reverter alterações relacionadas à idade no sangue, no fígado, no
metabolismo e no sistema imunológico.
Uma
terceira abordagem, completamente diferente, envolve dieta. Foi mostrado há
muito tempo que restringir o consumo de calorias ajuda os ratos a viverem mais
tempo. Se limitar a ingestão de alimentos (sem causar desnutrição) pode
beneficiar os seres humanos, também não é algo tão claro. Por um lado, muito
poucas pessoas podem ou querem manter tais dietas de baixa caloria pelas
décadas necessárias para provar definitivamente se esta abordagem funciona. Mas
pode acontecer que tais medidas drásticas sejam desnecessárias. Valter Longo,
diretor do Instituto de Longevidade da University of Southern California,
mostrou que ele pode estender o tempo de vida de ratos simplesmente limitando
sua comida em dias alternados ou ao reduzir a quantidade de proteína que
consomem. Tal jejum intermitente pode vir a ser mais palatável para as pessoas,
embora seus benefícios permaneçam sem comprovação.
Ressalvas
Viver
mais pode vir com reveses. Fazer as células velhas tornarem-se jovens novamente
significa que elas vão começar a dividir-se novamente. A divisão celular
controlada é igual a juventude; a divisão descontrolada das células é igual ao
câncer. Por ora, no entanto, os cientistas não têm certeza se eles conseguem
fazer um sem o outro.
Descobrir
o momento certo para o tratamento também é complicado. Se o objetivo é prevenir
diversas doenças associadas ao envelhecimento, deve-se começar as terapias
antienvelhecimento quando a primeira doença der sinais? A segunda? "Uma
vez doente, é mais difícil recompor-se. Vai ser mais fácil manter as pessoas
saudáveis", diz Kennedy. Então, provavelmente, faz mais sentido começar o
tratamento anos mais cedo, durante uma meia-idade saudável. Mas a investigação
necessária para comprovar essa suposição levaria décadas.
Se
várias doenças podem ser atrasadas, a próxima pergunta óbvia é por quanto
tempo. James Kirkland, que dirige a Mayo Clinic, do Robert and Arlene Kogod
Center on Aging, em Rochester, Minnesota, diz que vai levar pelo menos mais 20
anos de estudo para responder a essa pergunta. Os cientistas já conseguiram
estender em oito vezes o ciclo de vida de vermes e aumentaram a vida de ratos
de laboratório de três anos de idade para mais um ano. Esses avanços permitiriam
que uma pessoa de 80 anos de idade pudesse viver cinco ou seis séculos, ou
mesmo 30 anos a mais? Ou lhes dariam apenas mais um ano de vida? A extensão da
vida em humanos tende a ser mais modesta do que em leveduras, vermes, moscas e
ratos, diz Rando. Uma pesquisa anterior sugeriu que criaturas de ordem inferior
beneficiam-se ao máximo com os esforços despendidos à longevidade – com as leveduras,
por exemplo, apresentando maior benefício em experimentos com restrição calórica
do que mamíferos. "Quanto mais perto você chega dos seres humanos, menor o
efeito" na expectativa de vida, diz ele. E um benefício de que magnitude
seria necessário para justificar que alguém tome – e pague – por um tratamento
como esse? "Você toma uma droga durante toda a sua vida com a esperança de
viver 4 por cento ou 7 por cento a mais?" Rando pergunta.
O
que os pesquisadores antienvelhecimento fazem – se fazem alguma coisa - para
tentar retardar o próprio envelhecimento? A meia dúzia de cientistas
entrevistados para este artigo disse fazer esforços conjuntos para estender o
próprio tempo de vida. Um se sentia grato pelo diagnóstico de pré-diabetes, que
significou uma prescrição legítima de metformina. A pesquisa tem se tornado tão
sólida, diz Kennedy, que ele está tendo dificuldades para convencer-se a não
tomar alguns medicamentos ao invés de tomá-los.
Todos
os especialistas dizem que tentam viver uma vida saudável, para além de seus
empregos de alta pressão. Eles tentam dormir oito horas por dia, comer
quantidades moderadas de alimentos nutritivos e fazer exercícios com frequência.
Nenhum deles fuma. A maioria dos americanos, infelizmente, não segue esses
hábitos saudáveis. A grande ironia seria descobrir que a pílula não é, no
final, mais eficaz do que os hábitos saudáveis que nós já ignoramos.
Texto original de Karen
Weintraub, jornalista freelancer nas áreas de Ciência e Saúde e atua em
Cambridge, Massachusetts. Escreve regularmente para o The Boston Globe, o USA
Today e o The New York Times.